Ciclo de Estudos sobre controle judicial da atividade policial realiza sua primeira aula

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em colaboração com o Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), iniciou o “Ciclo de Estudos: Controle Judicial da Atividade Policial” na segunda-feira (13/9), com uma aula inaugural sobre “Constitucionalização da polícia: direitos humanos com limite ao controle social”.

A capacitação será composta por oito aulas e se estenderá até o mês de novembro de 2021

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em colaboração com o Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), iniciou o “Ciclo de Estudos: Controle Judicial da Atividade Policial” na segunda-feira (13/9), com uma aula inaugural sobre “Constitucionalização da polícia: direitos humanos com limite ao controle social”.

O ciclo é composto por oito aulas e se estenderá até o próximo mês de novembro. A abertura do evento, destinado a todos os magistrados, coube ao diretor-geral da Enfam, ministro Og Fernandes, que em sua fala, frisou que o tema em estudo é afeto a todos que fazem a Justiça brasileira.

“Esse evento é uma das pérolas que a Enfam conseguiu pescar, através de grandes juristas presentes aqui hoje, e colocar à disposição de todos os participantes. Tenho a satisfação de iniciar essa etapa do ciclo de estudos sobre controle judicial da atividade policial tendo ao meu lado o ministro Rogerio Schietti, que a toda fala nos enriquece com seu conhecimento, pela sua vida acadêmica e pela sua dedicação profissional, notadamente na área do Processo Penal e do Direto Penal”, afirmou o ministro Og Fernandes.

A mesa foi presidida pela desembargadora federal Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). A magistrada ressaltou que o Estado Democrático de Direito no Brasil ainda está em fase de construção e que não só as polícias, mas todos dos os órgãos públicos devem se submeter a controles, de acordo com as previsões constitucionais.

“A nossa atribuição enquanto juízes e juízas é cuidar para que as polícias atuem dentro da legalidade democrática e respeitando os direitos fundamentais. Para que possamos proferir uma sentença válida e justa, sobre o devido processo legal, é fundamental que a atuação da polícia seja realizada dentro da legalidade, daí a importância deste curso e, especificamente, dos temas da aula de hoje”, disse a desembargadora.

Controle policial

Dentro da temática principal, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogerio Schietti, falou sobre “A jurisprudência brasileira no controle da atividade policial”. O magistrado fez uma abordagem abrangente em relação ao que tem sido a atuação das polícias no Brasil. Rogerio Schietti citou os escritos do antropólogo Luiz Eduardo Soares, especialmente no que imprime o livro “Desmilitarizar – Segurança pública e direitos humanos”, que propõe a reformulação de todas as polícias, sobretudo a Polícia Militar. Segundo o ministro, o escritor citado explica em sua obra que o processo de democratização do País não atingiu, de forma satisfatória, a área da segurança pública.

“As polícias continuam, a grosso modo, como eram antigamente, especialmente a militar. Continuamos a ter uma Polícia Militar formada e atuante com os paradigmas de um treinamento hierarquizado e intervencionista, com foco em ações que reflitam uma produtividade operacional do policial e com códigos disciplinares que Luiz Eduardo Soares chama de medievais, que se ocupam mais com pequenas regras como manter os cabelos cortados, não apresentar-se com o coturno sujo, não atrasar-se no expediente, mas que acabam, nas expressões utilizadas pelo escritor, sendo transigentes com a extorsão, com a tortura, com o sequestro e assassinatos ”, avaliou o ministro.

Sobre a Polícia Civil, o ministro destacou que esta ainda utiliza predominantemente métodos de investigação simplórios, pouco transparentes, ineficientes e cientificamente questionáveis, o que aliado às carências materiais e humanos, resulta em índices baixíssimos de esclarecimento de crimes.

“Eu trago números para evidenciar esta nefasta combinação entre práticas violentas e ineficiência das polícias. Para exemplificar, no Rio de Janeiro, de janeiro a julho deste ano, foram registradas 811 mortes decorrentes de intervenção policial. É o segundo maior índice de letalidade policial desde 2007. De todos os homicídios cometidos nos Rio de Janeiro, nos últimos sete meses, 38% foram decorrentes de intervenção policial, a maior porcentagem dos últimos 15 anos”. Por sua vez, de acordo com dados do Ministério Público do Rio de Janeiro, das cerca de 1.550 investigações sobre mortes causadas por policiais em curso desde 2015, apenas 37 (ou 2,5%) resultaram em denúncia do Parquet pela prática do crime de homicídio”, afirmou o ministro.

Abordagem e reconhecimento

Em seguida, o professor de Criminologia e Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Dieter, palestrou sobre o tema “Preliminares do árbitro: da abordagem ao reconhecimento. Ele abriu sua apresentação definindo como as questões crime deveriam ser tratadas à luz das regras constitucionais e do Código Penal, mas, que, no dia a dia, são infringidas por literaturas e jurisprudências.

“As regras estão, basicamente na Constituição e no Código de Processo Penal, mas nunca houve um esforço nacional para a constitucionalização da atividade policial e muito pouco esforço para o controle civil sobre a polícia ostensiva”, explicou o professor ao citar alguns exemplos, tais qual o direito ao silêncio, que segundo ele, muitas vezes não é informado ou comunicado corretamente ao cidadão.

Para o professor Maurício Dieter, outros pontos que dificultam o controle estrito da legalidade é a densidade semântica de significantes e sintagmas da Lei Penal, que acaba por autorizar interpretações casuísticas. “Tanto o Código de Processo Penal quanto leis esparsas estão recheados de expressões como atitude suspeita ou ordem pública, que admitem a definição por exclusão. Atitude suspeita não é ser negro em um bairro majoritariamente branco”, disse o docente.

Em relação ao debate sobre o dilema discricionaridade versus arbitrariedade, o especialista elencou constatações de pesquisas criminológicas, passando pelo inevitável interstício da lei e pela legalidade estrita que, em sua avaliação, também tem margens para interpretações equivocadas.

“Discricionaridade sem critério é arbitrariedade. A pergunta é quem define os critérios? Existe uma dimensão política e de visões antagônicas a partir da demanda por lei e por ordem. Para os defensores da ordem, a polícia deve definir os próprios critérios de ação, e as demais agências do Sistema de Justiça devem aderir a esses critérios. Na prática, arbítrio. Para os defensores da lei, a atividade policial deve ser regulada por meio de órgãos externos à polícia e, o que eventualmente for internamente disciplinado, deve ser tornado público e submetido ao controle judicial”, defendeu o professor, que ainda trouxe dados sobre como a Suprema Corte dos EUA tem tratado o tema.

Ao final da aula, os painelista responderam a perguntas dos participantes.

Assista a aula em sua íntegra no canal da Enfam no Youtube.